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'Que essa palavra nos aparte, ave ou inimiga!" eu gritei, levantando - "Volta para a tua tempestade e para a orla das tr...

Nunca Mais



'Que essa palavra nos aparte, ave ou inimiga!" eu gritei, levantando - "Volta para a tua tempestade e para a orla das trevas infernais! Não deixa pena alguma como lembrança dessa mentira que tua alma aqui falou! Deixa minha solidão inteira! - sai já desse busto sobre minha porta! Tira teu bico do meu coração, e tira tua sombra da minha porta!"
E o Corvo disse: "Nunca mais."' *


As dores de cabeça eram constantes. Sempre do lado esquerdo.
Em sua cama ele tiquetaqueava suas dores como seu ultimo escárnio são.
Em seu ultimo suspiro, o gozo de um escritor morto pela sua cria.
E era de manhã e não a noite que os tormentos de uma alma cansada e relutante começavam a despertar sobre as sombras de um Corvo faminto, como se este, estivesse à espreita de seu próximo grito.
Seu quarto mobiliado de madeiras baratas, adquirida pela ida suspeita de cada parente antes dele, prostravam-se em cada canto escuro, sem nenhum limite de coesão.
As roupas lavadas a custo por ele mesmo se apresentavam dispostas em camadas de cinza, branco e azul, dobradas por sobre uma maciça torre de livros relidos exaustivamente por todos aqueles anos de solidão.
Ele sabia que estava doente. Que a morte lhe visitaria e ele como bom anfitrião que sempre fora a receberia de bom grado, talvez com uma ou duas lágrimas apenas para não se perder e desonrar seu teatro particular.
Não havia medo em sua face e em seus pensamentos, nem de se perder ou ser perda.
Da janela mais alta, ele escutava como se fosse sussurros de Mozart os gemidos da cadela de rua que sucumbia a dor da pré-morte assim como ele. Frio e uma queda inesperada do parapeito da janela do 6° andar da casa abandonada ao lado esquerdo de sua casa eram o resultado dessa fatalidade canina.
Nele, nem fome ou sede lhe apeteciam a essa altura, ao contrario do estranho interesse por comprimidos escuros ingeridos a esmo e regularmente a cada minuto. Lhe davam sensação de paz.
Não que houvesse algo a comer naquela casa semivazia; mesmo que tais necessidades mundanas o consolassem. Naquela casa, Tudo reluzia da cozinha a antessala, ate a escada de madeira maciça e encerada que levava ao seu quarto.
Mas toda fruta, verdura e legume que aparentasse beleza e brilho, em cores saudáveis, na verdade escondiam o mofo por debaixo de suas camadas de apaziguamento e amargura.
Extensão dele, seu corpo seu lar, seu lar o seu corpo. Por fora uma paz reinante onde tudo estava bem, e por dentro tudo podre. Talvez sua última piada negra para o mundo subterrâneo. Ele fora consumido pela podridão, e na morte as larvas não poderiam fazer dele seus banquetes de ação de graças.
Graça, de mãos aos céus era o que ele não pretendia ate o derradeiro momento.
Ida de cruz, luz rarefeita e mascaras de orixás nunca lhe vieram de antemão. Nem mesmo rapazote. Nem mesmo 'juventão'.
Igreja e templo só lhe conheceram no nascimento e no casamento. Casamento aquele interrompido, pela amada deusa, maldita que lhe fazia sucumbir do peito ao umbigo por não te-la.
Seu nome nunca mais dito ou proferido pelo vento ou sua garganta já sem voz, era esquecido, e ao mesmo tempo resguardado em cada tijolo exposto daquele quarto enegrecido.
Seus pesares, contudo não era de maldizer amores de carne e volúpia. Não, não eram mais.
Se haviam pesares, eram de tormentos indescritíveis para a razão conhecer. E nisso, seu abrigo ínfimo que era seus dedos e seu cérebro trairá de injúrias vãs, sabiam bem. Só eles.
Deixara um ultimo escrito sob a cômoda direita de sua cama impecavelmente arrumada mais cedo por um de seus filhos, inimigos. Uma carta. era uma carta. Mas não de despedida ou de redenção.
E sim, uma carta totalmente avessa as normalidades de uma vida anormal, como a dele.
Era uma carta de descrição. Uma carta que possua apenas duas palavras, presididas por uma única frase. Duas palavras repetidas conforme suas batidas – de seu coração – iam diminuindo e silenciando.
No dia em que percebera que seus personagens saiam de suas folhas escritas e manchadas de tinta para lhe acusar e perguntar sobre os mistérios de suas vidas, ele decidira que já era hora de se deixar ir para o mundo onde ele fosse o personagem e não mais o autor. A loucura o sucumbia, se alimentava a fortes garfadas e ele a saciava cada dia mais com angustias e amores superficiais acompanhados de um copo de bebida – seu amado café, amargo escuro, de tinta e calor destrutivo.
Ele era vitima de suas crias e isso ninguém jamais entenderia. Ele escrevia-os, suas vidas, dores, mortes, nascimentos, duvidas e erros, alheio a sua capacidade e responsabilidade por aqueles seres literários que criara. Era um mundo avesso ao nosso mundo. Então porque se preocupar se ele se tornara um DEUS a seus olhos sem perceber?
Era chegada a hora, ele sentia. Aquele que a ele escrevia já determinara sua morte e ida, sem explicação, sem ironia.
Ele estava a mercê daquele que o empunhava feito marionete e sem direito a oração no final do dia.
Por sua vez, já sabendo de seu destino – pois assim seu criador o queria – ele selou a carta, esta escrita e lida a seus ouvidos e olhos confusos que por hora já enxergam o final da narrativa estarrecidos com a morbidez alucinada daquele que conhecem bem.
Ao final dela, como nesta basta saber: ele morrera pela manhã, vitima de suas dores de cabeça do lado esquerdo, sem dor, sem medo, sem revelações ou luz no fim do Túnel, como seus antepassados, ele se fora num ponto final e um borrão de tinta.
Somente mais um personagem nascido pela incompreensão de um criador em usar proteção em sua relação quase sexual com o papel e a caneta, nos fluidos de suas inquietações. Mais um aborto, mais um assassinato e uma conversão natural da natureza.
Ele se fora com dor de cabeça, e essa é a única moral que talvez essa narrativa mereça.
Na carta, esquecida por anos a fio ate que este a encontrasse, os dizeres de desespero e verdades de alguém que vivera gritando em silencio:

“E o Corvo disse: Nunca mais! Nunca Mais! Nunca mais! Nunca Mais! Nunca mais! Nunca Mais! Nunca mais! Nunca Mais! Nunca mais! Nunca Mais! Nunca mais! Nunca Mais! Nunca mais! Nunca Mais! Nunca mais! Nunca Mais! Nunca mais! Nunca Mais! Nunca mais! Nunca Mais! Nunca mais! Nunca Mais! Nunca mais! Nunca Mais! Nunca mais! Nunca Mais! Nunca mais! Nunca Mais! Nunca mais! Nunca Mais! Nunca mais! Nunca Mais! Nunca mais! Nunca Mais! Nunca mais! Nunca Mais! Nunca mais! Nunca Mais! Nunca mais! Nunca Mais! Nunca mais! Nunca Mais! Nunca mais! Nunca Mais! Nunca mais! Nunca Mais! Nunca mais! Nunca Mais...!”



*Trecho em prosa do Poema "The Raven" (original de Edgar Allan Poe), versão esta traduzida e adaptada por Helder da Rocha.









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