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-Já disse não! Não! Eu estava farta daquela farsa idiota. De que me adiantava iludir centenas de pessoas que nem mesmo conheço, pra lucra...

Harmonia

-Já disse não! Não!


Eu estava farta daquela farsa idiota. De que me adiantava iludir centenas de pessoas que nem mesmo conheço, pra lucrar um dinheiro que não seria meu (não totalmente) e que ainda por cima me fazia correr o risco de ser presa por fraude?

Acho que foi o Betinho que teve a idéia inicial.

-Vamos fazer isso Marcela! É fácil, o povo é tudo trouxa mesmo... E alem do mais estamos precisando da grana... Principalmente você!

Ele tinha razão nessa parte. Eu estava falida. Não era segredo pra ninguém isso. E infelizmente nem mesmo pra mim...

O esquema era fácil na verdade. Armar uma lona de seda prateada num dia de sol forte, vender a idéia de que ao entrar na lona se podia obter harmonia, paz... Tudo era simples.

Ir ate uma comunidade budista ou qualquer outra de pseudo religiosos pagãos e adoradores de mantras e natureza e afins, e quando eles pagassem uma generosa taxa de entrada pra adentrar na lona, eu apareceria numa espécie de pedestal dourado bem ao centro da lona, entoando cânticos em latim; que na verdade eram letras de musicas funk invertidas.

O lance todo era enganação, pois o que ocorria era uma simples ilusão de sensação visual... A lona prateada iria irradiar uma luz forte e quente no interior da lona, o que causaria uma espécie de maravilhamento nos presentes já crentes de algo celestial... O lance comigo surgindo de um pedestal era simplesmente pelo fato do pedestal ser dourado e eu ser mais branca que uma folha sulfite nova... O dourado quebraria a luz intensa branca e daria uma sensação de magia com os brilhos dourados ao redor, e eu pareceria um anjo ou mesmo Deus na camisola branca que escolheram pra mim... Já que ninguém naquela situação com os cânticos, com a sede absurda (proibiríamos os presentes de tomarem líquidos, pois alegaríamos que isso iria atrapalhar no ritual de purificação),e mais os cânticos as luzes e minha aparição”fantástica”, levaria qualquer ser humano, burro ou não a um estado de enganosa elevação espiritual..ainda mais se é crente nisso.

Mas eu não achava isso certo. Nunca gostei de brincar com essas coisas de fé e religião. Sempre respeitei as crenças dos outros. Por mais que eu não as tenha.

Mas o cartão estava bloqueado, a luz cortada, estava sem água quente em casa, o gás não passava do final de semana e não tinha nem como procurar outro emprego já que não tinha dinheiro pra imprimir uma única copia de um currículo decente ou credito no bilhete único para me locomover pela cidade.

Alem do mais pensando melhor, não tenho crenças, que mal pode haver?

Só sermos desmascarados e levarmos uma surra tão grande que iríamos parar no hospital ou sermos presos por fraude. E em qualquer uma das possibilidades haveria cama, comida e roupa lavada grátis.

-Marcela pensa bem... - começou a dizer Claudia assim que me acalmei e reabri a porta do meu quarto cinza.

- Vamos começar logo que quero chegar a tempo de assistir minha novela- disse a ela que ficara perplexa, mas radiante, seguindo para o banheiro para me preparar.

Carlos, Mauricio, Alexandre e Pietro nos levaram; a mim e a Claudia; na van preta de Carlos, ate uma cidadezinha próxima a 30 quilômetros da onde residíamos todos em uma falida, mas alegre republica.

Chegando num campo aberto sem muito mato, mas que fedia horrores, devido a um pasto logo à frente, montamos a lona roubada por Pietro àquela manhã, de um armazém vizinho.

Estacas, luzes, velas, propaganda boca a boca, e ao meio dia e meio com o sol rachando sobre nossas cabeças estávamos prontos para fazer reinar a harmonia no local.

Eu subi no pedestal dourado como o previsto, a multidão estava cansada de esperar na fila com sede, ansiosa, como o previsto, o sol estava de rachar como previsto, mas algo estava errado: minha mente.

No momento em que entrei na lona para subir no pedestal dourado, eu soube que alguma coisa estava muito fora de lugar. Não sabia o que era, mas estava com medo, com receio de algo, estava o oposto da harmonia proposta ali.

Eu chamei pela galera pra esperarem, cancelarem tudo, mas o som ligou o cântico ensurdeceu os ouvidos e eu subia... Subia cada vez mais...

O pedestal estava em movimento ou era minha cabeça?... Era difícil dizer, pensar se quer...

Todos gritavam, todos sorriam, eram gritos e batucadas... O sol estava mesmo de cegar...

Estava quente, eu começava a ficar tonta, eu vacilava por segundos, minutos horas talvez e voltava ao mesmo estupor inicial... Lagrimas pareciam querer rolar de meus olhos, mas elas não existiam... Eu era seca, seca como tudo ali ao redor, seca como cada um de nós que tentamos encontrar La fora o que nunca tivemos ou o que nunca teremos aqui dentro...

Eu só queria que tudo aquilo parasse... Que tudo acabasse... Eu só queria por ironia aquilo que fui vender aquilo fora oferecer... Eu queria paz... Queria harmonia...

O sol estava quente... Muito quente...



-Acorda Marcela! Acorda!

Duas sombras, uma alta e outra um pouco mais baixa. Era tarde ou cedo demais.

-O que houve? – perguntei, mas a voz não saia...

Como haveria voz numa garganta sem boca?

Ao meu redor só havia espinhos... Uma pedra bem ao centro do nada e algumas pessoas ao redor igualmente sem lábios... Mas o que eu escutara? Alguém me chamara _ Marcela acorda!

Mas era só parte da lembrança... Da memória...

Naquele dia entraram na lona prateada 57 pessoas. E não saiu nenhuma.



Estamos mortos? Eu, Claudia, Pietro, Carlos e os outros 57? Não sei ainda...

Quanto tempo estou neste lugar que não me atrevo a nomear? Não sei tampouco... Não há horas, não há tempo... Não há nomes, não dedos apontando a direção...

Mas uma coisa é certa... Todos encontraram na lona prateada o que mais queriam... Paz. Aqui, aqui não há voz, aqui não há tempo..tudo em bizarras harmonias...não há como saber se há desespero...ninguém fala, ninguém vê alem da pedra e doa espinhos..

Por isso fica o aviso, fique longe quando vir uma lona prateada sob o sol... A menos que queira aquilo que ela ofereça, caso queira:

"Oferecemos paz e harmonia por um preço razoável! Venha conferir!"


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