Era natal. Poucos dias antes do natal e minha mãe como sempre escolhera um filme no cinema para me levar. Eu estava triste com alguma coisa que não me lembro agora exatamente o que era. Só lembro que eu chorava muito naquele dia. Entramos na sala de cinema como sempre. Pipoca, chocolate e refrigerante nas mãos. O filme se inicia meus olhos brilham. O choro seca e o sorriso aparece de maneira inexplicável. Surge uma euforia vinda talvez dos confins de alguma floresta proibida.

 Dias após o natal. Com mais precisão ainda, era dia 28 de dezembro de 2001.

Meu padrinho veio ate em casa e me entregou o que mudaria tudo.

Sem saber o que me dar de presente de natal atrasado, ele resolve passar na livraria e perguntar o que os jovens andam lendo. Sempre tive gosto pela leitura então...

Ele então surge com um pequeno livro em brochura intitulado Harry Potter e a pedra filosofal.

Pela primeira vez que tenho consciência, me emociono e o abraço e tento colocar ali o que significou o presente.

Saio correndo para a cozinha (único lugar da casa pequena onde havia mesa) para começar a ler.

Meus pais explicam a meu padrinho e madrinha o encanto que o filme havia inexplicavelmente me causado.

E isso foi a dez anos...

De la pra cá a sensação que essa obra me trouxe e causou só aumentou com o passar do tempo de uma maneira única e – “clichemente” falando – mágica.

Entre os amores da adolescência, as rejeições da infância, os problemas eminentes da vida adulta sempre busquei escape e refugio em cada pagina ali.

Para muitos pode ser somente uma historia, como outra qualquer, algo que impressionou bem escrita talvez, mas nada digno para ter a gana que muitos pelo mundo assim como eu temos. Essa espécie de devoção.

O problema é que realmente como um dos temas ali; muitos julgam o livro pela capa.

Harry Potter foi compelido numa época em que a autora se viu perdida, sem esperanças, órfã do mundo. Sozinha desamparada com uma filha para criar.

Ela viu ali nas palavras um meio de criar um mundo onde tudo fizesse sentido, um mundo não fácil, mas um mundo mais real que a realidade. Talvez ate com desafios maiores, dores maiores, quedas maiores, mas onde ela pudesse se encaixar.

Mas mal sabia ela que esse mundo existia já, dentro e não fora de tantos... Mas ela soube transpor em letras, em paginas, nos revelando o que havia por detrás da plataforma 9/5.

Harry Potter é mais que uma historia infantil de bruxarias, um menino numa vassoura, e truques de magia adolescentes.

Harry Potter fala de vida e morte. Fala dos problemas reais da vida, de como enfrentar o que há de pior em nós mesmos sem perder a magia, o amor, a esperança que deve haver em cada ser.

É uma obra que tenta não decifrar, mas mostrar os humanos, usando da metáfora da bruxaria para isso.

Ali aprendi o que era enfrentar os dragões pela estrada, o que era alçar voa, o que era a amizade verdadeira, o que era família além do sangue, o que era se sentir sozinho, o que era ser incompreendido, o que era magia de fato, o que era valores, ética, escolhas, medos, desafios, coragem, luta, perseverança, o que era o tal de Bem Maior, o que é a vida.

Ali naquelas paginas, durante 10 anos trilhei com a fumaça do trem por entre rios e montes que me levavam para outro mundo, um mundo onde eu podia chamar de lar. De casa. Um mundo onde meus problemas só se intensificavam, mas ao menos havia sentido. Era um lugar que eu podia esperar ansiosamente por outra visita; afinal o trem sempre parte, mas retorna com uma nova leva de passageiros.

Porem com o passar dos anos, senti que assim como eu a obra, o mundo envelhecia, meus amigos ali cresciam junto de mim, primeiro amor, primeira decepção, camas de hospitais...

E se aproximava à hora da verdade: enfrentar a realidade, a realidade da vida adulta e o que ela significava – deixar o passado e o lar pra trás.

Pois quando nos tornamos adultos, precisamos alçar vôos maiores, precisamos construir nosso próprio lar, nossa própria casa, sair do berço e entrar num carro e seguir em frente.

Dez anos depois, minhas lagrimas do passado tornaram a surgir, mas dessa vez o remédio da época é o motivo.

Saber que não haverá mais livros, com novas historias, novos personagens novas tramas, novos desafios transcritos esperando na livraria, saber que não haverá mais trailers, dvd’s e filas no cinema para ver um novo filme; saber que o trem estará partindo para não mais voltar pra mim e para tantos outros que finalmente se formaram em Hogwarts...

Foram dez anos de risos, dez anos de lagrimas, dez anos de medo e indignações, dez anos de emoção e felicidade, dez anos de mistérios e paixões, dez anos de vida, uma década, uma Era.

Cresci ali, nascia ali, vivi ali e morrerei um pouco para renascer ali também.

Aqueles que amamos jamais nos deixam de verdade... Jamais...

Sim Harry Potter deixara saudades, mas sei que ao final da sessão no dia 15 de julho de 2011, quando subir os créditos finais com o tão temido End, sairei da sala tendo uma certeza: não é o fim... pelo menos para aqueles que sabem que a varinha escolhe o bruxo e que a magia não depende de varinhas mágicas ou palavras em latim, mas sim do que há dentro de cada um.

Sim sou um bruxo também, por escolha e a cada passo que eu der adiante lembrarei com nostalgia daquelas três pessoas, aquele trio que me ensinou os valores da vida, como Nunca fazer cócegas num dragão adormecido...