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Café na mesa. Cigarro esquecido queimando a mobília. O mesmo quadro na parede olhando desconfiado. Os mesmos olhos castanhos. No radio...

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Café na mesa. Cigarro esquecido queimando a mobília.
O mesmo quadro na parede olhando desconfiado. Os mesmos olhos castanhos.
No radio a mesma canção, No peito o mesmo borrão.
Chovia naquela tarde morna de verão. Ele estava disposto a mudar tudo em volta. Queimar quadros, destruir letras, ficar surdo e perder sua visão.
Frigido, não queria mais sentir. Ao som do primeiro trovão ele estremeceu e sorriu. Era o sinal, tal qual à hora do intervalo.
 Ele saiu.
Deixou a porta aberta, não mais voltaria...
O primeiro raio azul corta o céu no momento que seu coturno roto e sujo pisa na calçada enlameada e varrida pelo vento.
Ele segue sentindo cada gota gelada que cai em seu corpo quente.
Com apenas uma calça de moletom a lhe cobrir, ele corre pela calçada, sem se importar com os olhares que lhe apontam em protestos e indignações pelo seu peito nu na tempestade que assola e castiga a cidade.
Ele estava em paz com sigo mesmo pela primeira vez em meses. Era a chuva que lhe devolvia a vida, a essência de existir.
Todas as conversas, todos os tocares, cada mão, cada olhar, cada som e sussurro, cada risada, cada piada e brisa lançada ao vento, cada momento...  ele ia repassando em sua mente. E ele corria... Sem rumo a nenhum lugar...

"Então diga que você não quer sair da minha vida
Que o tempo fecha todas as feridas
E que o nosso amor não morreu...
Então diga que é mais do que pensei ser a saída
Que não existe reencontro ou despedida
“E que no fundo você jamais me esqueceu...”
O segundo raio corta o céu, o trovão que lhe acompanha faz gatos gritarem e velhas se esconderem por entre as suas cobertas; e ele esboça um sorriso em sua face. Suas lagrimas já não eram mais só dele, era dos pingos de chuva também... Ele chorava com a cidade cinza, ele era parte de um todo... Não era mais só mais um na cadeia alimentar da vida...
Bradava cada verso de cada musica e poema que já escutara, vivera, escrevera e sentira... Era como um vomitar, colocar pra fora o que lhe machucava, o que lhe apunhalava, o que o dilacerava e o queimava feito acido em arame farpado de gilete enferrujado...

“... uma hora vai passar..."

Outro trovão e ele grita. Seu grito é mais alto que qualquer outro som. Uma criança se arrepia e chora assustada a três quadras de lá.
O mundo sente uma cria sua arrancar-se da terra e desfolhar no vendaval impiedoso.
A dor... O vazio...
Bukownski entenderia...
-Pai! Velho tarado e barbudo livrai-me... - Ele pedia em sussurros...
Ninguém o escutava... O vento zombava dele com seu zumbido...
Folhas caem... E ele sente o que é...
Ele corre mais, as pernas protestam, a câimbra vem, o frio, a tremedeira... Ele corre e no caminho crava as unhas no peito e nos braços... Onde o abraço e  o afago falta, o arranhar e a cicatriz ocupariam o lugar...
Os olhos castanhos surgem... Aquele beijo... Aquela dança... Aquela palavra... Aquela risada... Aquele calor...
Baque..barulho...Vermelho e vazio.




Nota/Obituário
Carlos Maurino de Mendonça faleceu essa tarde por volta das 15h30min na cidade de São Paulo no bairro de Santana vitima de um acidente de transito
Um caminhão que transportava alimentos chocou-se com Carlos quando este atravessava correndo apenas de calças de moletom a movimentada Avenida da Conselheiro Moreira de Barros na altura do numero 3600. Carlos era solteiro e tinha um irmão mais novo.

O jornal amassado com a noticia da tarde; escondida num canto entre o milésimo gol do jogador galinha e a nova promoção das casas Bahia; se misturava entre o lixo das calçadas das ruas.
Num apartamento ali perto da lixeira verde, um homem ruivo de uns 22 anos de idade chora sobre uma mobília com uma marca recente de cigarro. Os olhos que choram são os mesmo olhos que indagam pendurados na parede.
O café sobre a mesa permanece frio.
Uma ventania arrepia a nuca do homem ruivo...
E sem querer ele se põe a cantarolar:

“... Talvez você perceba...
Que eu nunca vou deixá-lo ir...”

Novo dia, novo transito, milésimo segundo gol da rodada... E o sol aparece inundando as janelas da cidade cinza de luz...



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Aquilo Tudo que posta no Facebook e mais tantos mistérios que nem mesmo o espelho ou o mundo dos sonhos foi capaz - ainda - de descobrir.